Os processos participativos de gestão pública representam uma evolução fundamental na administração brasileira, constituindo-se em parcerias estratégicas entre o poder público e a sociedade civil para permitir maior interação e atuação popular no planejamento e condução das políticas públicas. A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, estabeleceu os fundamentos legais para essa transformação democrática, garantindo tanto a democracia representativa quanto a democracia participativa.
Esta nova abordagem de gestão transcende o modelo tradicional onde as decisões são tomadas exclusivamente por funcionários públicos, sem envolvimento significativo da comunidade. Na gestão participativa, a participação ativa dos cidadãos é incentivada através de diversas formas de engajamento, incluindo consultas públicas, audiências, conselhos de cidadãos e outras práticas de participação democrática.
Índice do Artigo
Fundamentos Legais e Constitucionais
Base Constitucional
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu princípios fundamentais que garantem a participação da sociedade na gestão de políticas e programas promovidos pelo Governo Federal, configurando o que denominamos controle social. O parágrafo único do artigo 1º da Constituição dispõe claramente que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
A Carta Magna introduziu diversos dispositivos que incentivam a criação de mecanismos de participação popular, conforme estabelecido nos artigos 14 e 29, inciso XIII; artigo 37, parágrafo 3º; artigo 74, parágrafo 2°; artigo 198, inciso III; artigo 204, inciso II; artigo 206, inciso VI; artigo 216, parágrafo 1º; e artigo 227, parágrafo 1°.
Marco Regulatório Moderno
A evolução institucional dos processos participativos culminou com a promulgação do Decreto nº 8.243, em 2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social (PNPS). Este marco legal inédito reconheceu “a participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia” e buscou “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”.
Principais Mecanismos de Participação
Conselhos de Gestão
Os conselhos de gestão constituem órgãos colegiados que reúnem representantes do governo, da sociedade civil e, em alguns casos, do setor privado, com a missão de discutir, deliberar e acompanhar a execução de políticas públicas em áreas específicas. Estes conselhos podem ter natureza consultiva, deliberativa ou fiscalizadora, desempenhando papel fundamental no controle social das políticas públicas.
Entre os principais tipos destacam-se os Conselhos de Saúde, exemplificados pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), que atua como órgão deliberativo na formulação e controle das políticas de saúde. Os Conselhos de Educação trabalham na discussão e proposição de diretrizes para as políticas educacionais, enquanto os Conselhos de Meio Ambiente formulam políticas ambientais promovendo sustentabilidade.
Orçamento Participativo
O Orçamento Participativo (OP) representa um mecanismo governamental de democracia participativa que permite aos cidadãos influenciar ou decidir sobre os orçamentos públicos, geralmente o orçamento de investimentos de prefeituras municipais. Este processo envolve assembleias abertas e periódicas, além de etapas de negociação direta com o governo.
A implementação do OP surgiu com a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, sendo inicialmente implementado em Porto Alegre em 1989. O governo consulta a população através de reuniões abertas à sociedade sobre suas demandas prioritárias e o que incluir na Lei Orçamentária Anual. Esta experiência brasileira tornou-se referência mundial, sendo replicada em cidades ao redor do globo.
Conferências de Políticas Públicas
As Conferências de Políticas Públicas são definidas como espaços institucionais de participação e deliberação acerca das diretrizes gerais de uma determinada política pública. Estes instrumentos da democracia contemporânea conjugam a participação de representantes do governo e da sociedade civil nas discussões e deliberações de temas específicos.
A história das Conferências inicia-se no governo Vargas, pela Lei nº 378/1937, com o objetivo de facilitar o conhecimento do Governo Federal acerca das atividades relativas à saúde. Até hoje já foram realizadas 138 Conferências Nacionais e milhares de Municipais e Estaduais, sendo que 112 foram realizadas nos governos Lula e Dilma nas mais diversas áreas de políticas públicas.
Audiências Públicas
As Audiências Públicas constituem uma forma de participação e controle popular da administração pública, com a finalidade de informar, discutir, tirar dúvidas, ouvir opiniões e captar soluções para os problemas enfrentados pela população. Elas exercem um duplo papel informativo: propiciam a obtenção de dados por parte dos cidadãos e habilitam o órgão administrativo decisor, tornando-o apto a emitir um provimento mais acertado e justo.
Governança Participativa
Conceito e Características
A governança participativa representa uma alternativa ao modelo burocrático de administração, buscando envolver diferentes atores interessados em determinada questão em processos caracterizados pela influência mútua, complementaridade de recursos e coordenação mais horizontal. Este modelo democrático-participativo enfatiza a mudança de relação entre a sociedade e o governo e a inserção da sociedade nas decisões políticas.
O modelo de governança participativa leva em conta o envolvimento dos afetados pelas políticas nos processos decisórios e de controle, compreendendo essa interação entre Estado e sociedade como um bom caminho para o governo responder de maneira mais eficiente às demandas dos cidadãos.
Benefícios da Governança Participativa
As discussões sobre os benefícios da governança participativa incluem a democratização dos processos políticos e administrativos, a responsabilização e a eficiência dos governos, além da necessidade de restabelecer a confiança no setor público. A participação social permite que as políticas públicas sejam mais eficazes, pois estas são construídas com base nas necessidades reais da população.
A transparência é fortalecida através da participação cidadã ativa, que constitui um dos pilares da governança pública eficaz. O governo deve promover a democracia participativa, incentivando a população a se engajar nas decisões que afetam sua vida cotidiana.
Benefícios dos Processos Participativos
Melhoria na Aplicação de Recursos
A participação social permite o contato direto com cidadãos engajados para melhorar a cidade, facilitando decisões sobre onde aplicar verbas públicas de forma mais eficiente. Esta interação otimiza o uso do dinheiro público para áreas que mais necessitam, baseando-se no conhecimento direto das demandas locais.
Fortalecimento da Democracia
A participação social é fundamental para o fortalecimento da democracia, pois permite que os cidadãos influenciem diretamente as decisões políticas que afetam suas vidas. O diálogo constante entre governo e sociedade permite que o desenho das políticas públicas represente a pluralidade da sociedade civil, além do ganho da legitimidade para sua execução.
Transparência e Accountability
O orçamento participativo gera maior transparência sobre o processo orçamentário e permite que os cidadãos se tornem mais conscientes, passando a exigir melhor funcionamento da gestão pública. Como consequência, observa-se uma modernização administrativa nos municípios que utilizam o orçamento participativo.
Direcionamento de Políticas
À medida que os cidadãos são chamados a participar na discussão do orçamento, os projetos têm sido mais direcionados para os setores mais carentes e as necessidades prioritárias da população, confirmando o caráter potencialmente redistributivo do orçamento participativo.
Desafios na Implementação
Limitações Estruturais
A falta de transparência e a ausência de mecanismos de participação constituem obstáculos comuns na implementação de processos participativos. A burocracia excessiva também representa um desafio significativo, impedindo a efetiva participação dos cidadãos nos processos decisórios.
Deficiências na Efetividade dos Conselhos
De acordo com relatórios de fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU), os conselhos municipais são precários no tocante à sua efetividade. Análises demonstram que 51,3% das ocorrências encontram-se na dimensão da integridade, indicando problemas significativos no funcionamento destes órgãos.
Requisitos para Sucesso
Uma experiência bem-sucedida de orçamento participativo requer organização ou tradição de associativismo na sociedade civil local. Na esfera política, é necessário comprometimento de prefeitos e lideranças políticas, além das equipes técnicas, para a viabilização das demandas pactuadas com os participantes.
Desigualdades Socioeconômicas
Os altos níveis de desigualdade e de exclusão socioeconômicas no Brasil refletem-se na enorme dificuldade ou na impossibilidade de uma parcela significativa da população participar efetivamente dos processos participativos.
Impactos e Resultados
Efeitos do Orçamento Participativo
Pesquisas recentes sobre a experiência brasileira com o Orçamento Participativo demonstram que a adoção da política teve o efeito de redirecionar uma pequena parcela dos gastos públicos para as categorias de Saúde e Saneamento e Habitação e Urbanismo. Investimentos em Habitação e Urbanismo, especialmente obras de pavimentação de ruas, têm sido uma das principais demandas da população nas plenárias do OP.
Influência no Processo Legislativo
As conferências nacionais de políticas públicas geram consequências que impactam na formação da agenda do Poder Legislativo, que pode usá-las como bases informacionais, mecanismos de legitimação via participação ou insumos deliberativos próprios de sua atividade representativa. Pesquisas baseadas em análise de 1.953 diretrizes advindas de conferências nacionais e 3.750 proposições legislativas demonstram que as conferências fortalecem a democracia representativa no Brasil.
Modernização Administrativa
A participação social tem gerado modernização administrativa nos municípios que utilizam processos participativos. Sistemas informatizados permitem a integração entre as atividades de aquisição, registro patrimonial, controle de estoque e prestação de contas, proporcionando maior agilidade nos processos administrativos.
Tendências e Perspectivas Futuras
Inovação Tecnológica
A evolução tecnológica oferece oportunidades significativas para modernização da gestão participativa. Ferramentas tecnológicas avançadas desempenham papel fundamental na modernização dos processos administrativos, facilitando o acesso à informação e garantindo maior controle e transparência.
A utilização de recursos tecnológicos permite romper as barreiras da distância, criando espaços virtuais de diálogo com os cidadãos. Esta política de portas abertas se concretiza através do esforço em promover o intercâmbio de ideias, tanto em espaços presenciais quanto virtuais.
Cultura de Participação
O desenvolvimento de processos participativos torna-se verdadeiras escolas de cidadania para a população participante, sendo que o interesse se eleva de acordo com o funcionamento do mecanismo. A percepção de que a política transcende o voto é fundamental, sendo a deliberação e a participação elementos essenciais da democracia moderna.
Integração de Sistemas
A integração entre sistemas de diferentes esferas de governo e órgãos pode proporcionar maior eficiência na gestão compartilhada de recursos e equipamentos. Esta cooperação intergovernamental representa oportunidade de otimização de investimentos e melhoria da prestação de serviços públicos.
Considerações Finais
Os processos participativos de gestão pública representam uma evolução fundamental da democracia brasileira, transcendendo o modelo tradicional de administração pública e criando novos espaços de interação entre Estado e sociedade civil. A implementação destes mecanismos não constitui mera formalidade burocrática, mas sim um elemento essencial para garantir a legitimidade, transparência e efetividade das políticas públicas.
A experiência brasileira com conselhos de gestão, orçamento participativo, conferências de políticas públicas e audiências públicas demonstra que é possível construir uma administração pública mais democrática, responsiva e eficiente. Embora existam desafios significativos relacionados à efetividade destes mecanismos, especialmente no que se refere à integridade dos conselhos e às limitações impostas pelas desigualdades socioeconômicas, os benefícios observados justificam os esforços de aprimoramento contínuo.
O futuro dos processos participativos de gestão pública no Brasil depende da capacidade de conciliar inovação tecnológica com rigor técnico e responsabilidade social, garantindo que a participação cidadã se torne cada vez mais efetiva na construção de políticas públicas que atendam às necessidades reais da população. Para os profissionais da contabilidade pública e gestores do setor público, compreender e implementar adequadamente estes processos representa não apenas uma competência técnica, mas também um compromisso ético com a sociedade e com o fortalecimento da democracia brasileira.