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A Importância Fundamental do Patrimônio na Gestão Pública
O patrimônio público representa um dos pilares fundamentais da administração pública, constituindo muito mais que uma simples obrigação legal ou contábil. Trata-se de um conjunto complexo de direitos, bens e valores que pertencem à coletividade e devem ser administrados com a máxima eficiência, transparência e responsabilidade social. O patrimônio público é resultado do esforço coletivo da sociedade, materializado através dos tributos pagos pelos cidadãos, exigindo uma gestão que reflita este compromisso com o interesse público.
A contabilidade aplicada ao setor público passou por uma transformação significativa nas últimas décadas, especialmente após a convergência às normas internacionais de contabilidade pública. Esta mudança paradigmática deslocou o foco do aspecto meramente orçamentário para uma abordagem genuinamente patrimonial, onde o patrimônio público assume sua posição central como objeto da contabilidade. Esta evolução exige dos profissionais contábeis e gestores públicos uma compreensão aprofundada dos mecanismos de controle, avaliação e gestão dos bens públicos.
Segundo o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP), patrimônio público é definido como “o conjunto de direitos e bens, tangíveis ou intangíveis, onerados ou não, adquiridos, formados, produzidos, recebidos, mantidos ou utilizados pelas entidades do setor público, que seja portador e represente um fluxo de benefícios, presente ou futuro, inerente à prestação de serviços públicos ou à exploração econômica por entidades do setor público e suas obrigações”. Esta definição ampla reconhece que o patrimônio vai muito além dos bens físicos tradicionalmente identificados, abrangendo também elementos intangíveis e o potencial de serviços que podem ser prestados à sociedade.
Definição e Composição do Patrimônio Público
Conceito Fundamental e Estrutura Patrimonial
O patrimônio público é estruturado em três grupos principais que formam a base da contabilidade patrimonial no setor público. Os ativos compreendem os recursos controlados pela entidade como resultado de eventos passados e dos quais se espera que resultem benefícios econômicos futuros ou potencial de serviços. Esta definição é particularmente importante no setor público, pois diferentemente do setor privado, destaca-se o potencial de serviço que o ativo pode gerar à sociedade.
Os passivos compreendem as obrigações presentes da entidade, derivadas de eventos passados, cujos pagamentos se esperam que resultem para a entidade saídas de recursos capazes de gerar benefícios econômicos ou potencial de serviços. O patrimônio líquido, também denominado saldo patrimonial ou situação líquida patrimonial, é o valor residual dos ativos da entidade depois de deduzidos todos seus passivos.
Classificação Abrangente dos Bens Patrimoniais
A adequada classificação dos bens patrimoniais é fundamental para sua correta contabilização e controle. O ativo imobilizado é definido como “item tangível que é mantido para o uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, ou para fins administrativos, inclusive os decorrentes de operações que transfiram para a entidade os benefícios, riscos e controle desses bens”.
Bens Móveis compreendem o valor da aquisição ou incorporação de bens corpóreos, que têm existência material e que podem ser transportados por movimento próprio ou removidos por força alheia sem alteração da substância ou da destinação econômico-social, para a produção de outros bens ou serviços. Bens Imóveis compreendem o valor dos bens vinculados ao terreno que não podem ser retirados sem destruição ou dano5.
Quanto à utilização, os bens podem ser classificados como: bens de uso comum, destinados ao uso direto da população (praças, ruas, parques); bens de uso especial, destinados às atividades administrativas (prédios públicos, equipamentos); e bens dominicais, que constituem patrimônio disponível para alienação.
Reconhecimento e Mensuração dos Ativos
A NBC TSP 17 estabelece que a entidade do setor público deve reconhecer inicialmente o ativo imobilizado pelo custo ou valor justo. Para itens do ativo imobilizado que foram adquiridos gratuitamente ou por valor nominal, incluindo aqueles adquiridos por meio de uma transação sem contraprestação, o custo é o valor justo na data de aquisição.
O valor justo pode ser estimado usando diferentes abordagens, incluindo evidências baseadas no mercado de ativos similares em circunstâncias e locais semelhantes. Para edifícios especializados e outras estruturas, o valor justo pode ser estimado usando o custo de reposição depreciado, ou de custo de restauração.
Desafios Contemporâneos na Gestão Patrimonial
Deficiências no Inventário Patrimonial
O inventário patrimonial é um procedimento administrativo e contábil obrigatório, que consiste na verificação física dos bens móveis permanentes localizados na respectiva unidade administrativa e deve ser realizado ao menos uma vez ao ano em todos os entes da Administração Pública. Trata-se de um instrumento de apuração do resultado do exercício, controle e prestação de contas dos bens patrimoniais e de seus responsáveis.
Uma das principais deficiências identificadas na gestão patrimonial é a realização inadequada do inventário. Muitas entidades limitam-se a verificar apenas os bens localizados nas unidades principais, negligenciando aqueles distribuídos em outras localidades. Esta prática resulta na existência de bens “fora do balanço”, que embora fisicamente existam e sejam utilizados, não constam nos registros contábeis oficiais.
Problemas na Baixa de Bens Inservíveis
O processo de baixa patrimonial é frequentemente negligenciado, mantendo-se nos registros contábeis bens que já não têm utilidade para a administração pública. Este problema compromete a fidedignidade das demonstrações contábeis e pode resultar em questionamentos por parte dos órgãos de controle.
A baixa de bens inservíveis deve seguir um rigoroso procedimento metodológico que inclui avaliação técnica, classificação do bem quanto ao seu estado, e decisão sobre a forma mais adequada de desfazimento. As modalidades de baixa patrimonial incluem alienação (venda, doação, permuta), inutilização, e registro de extravio, sinistro ou furto/roubo.
Controle Inadequado e suas Consequências
Auditoria operacional realizada pelo TCE/RN detectou falhas significativas no controle da gestão patrimonial do Governo do Estado, onde pelo menos 68% dos imóveis não possuem registro em cartório, e o Estado gasta R$ 6,4 milhões por ano com aluguel de imóveis, valor que poderia ser economizado com melhor aproveitamento do patrimônio público.
O controle inadequado do patrimônio pode levar à responsabilização pessoal do gestor público e dos servidores responsáveis, além de comprometer a qualidade da gestão e a confiabilidade das demonstrações contábeis. As consequências incluem desperdício de recursos públicos, duplicação de aquisições, e impossibilidade de otimização do uso dos recursos disponíveis.
Aspectos Normativos e Contábeis
Marco Regulatório e Convergência Internacional
A contabilidade aplicada ao setor público brasileiro passa por um processo de convergência aos padrões internacionais de contabilidade pública (IPSAS). A Portaria STN 406/11 estabeleceu a obrigatoriedade da adoção dos procedimentos contábeis patrimoniais, determinando que as variações patrimoniais sejam reconhecidas pelo regime de competência patrimonial.
O Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP) visa colaborar com o processo de elaboração e execução do orçamento, além de contribuir para resgatar o objeto da contabilidade como ciência, que é o patrimônio. O sistema contábil está estruturado nos subsistemas orçamentário, financeiro, patrimonial, custos e compensação, que devem ser integrados entre si.
Depreciação, Amortização e Exaustão
A NBC T 16.9 estabelece critérios e procedimentos para o registro contábil da depreciação, amortização e exaustão no setor público, definindo depreciação como “a redução do valor dos bens tangíveis pelo desgaste ou perda de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência”.
A entidade pública deve apropriar ao resultado de um período, o desgaste de seu ativo imobilizado ou intangível, por meio de uma variação patrimonial diminutiva da depreciação, amortização ou exaustão, em obediência ao princípio da competência. A depreciação é particularmente importante para bens de tecnologia, que tendem a ter depreciação acelerada devido à rápida obsolescência tecnológica.
Critérios de Avaliação e Registro
Os bens patrimoniais devem ser registrados inicialmente pelo custo de aquisição, produção ou construção. Quando o custo histórico não estiver disponível, deve-se utilizar o valor justo como base de mensuração. Para bens adquiridos sem custos ou por valor simbólico, como doações, deve-se proceder à avaliação por valor justo na data de reconhecimento7.
O custo histórico representa quanto a entidade efetivamente pagou por determinado ativo, tendo uma relação direta com o fluxo de caixa. Os defensores dessa base de avaliação argumentam que o custo histórico é mais objetivo, verificável e representa o valor com que o ativo foi adquirido.
Estratégias para Controle Patrimonial Eficaz
Estruturação Organizacional Adequada
A gestão patrimonial eficaz requer uma estrutura organizacional adequada, com definição clara de atribuições, estabelecimento de responsabilidades, metodologia bem definida, institucionalização da gestão patrimonial e provisão dos recursos necessários. São recursos necessários: mão-de-obra (servidores), gestão adequada, equipamentos e instalações apropriadas.
A gestão patrimonial voltada à administração pública tem por objetivo principal atender as demandas por materiais permanentes e de consumo com o intuito de viabilizar as diversas atividades desenvolvidas na instituição11. Para tanto, é fundamental a criação de comissões com representantes das principais áreas, especialmente aquelas com maior volume de bens patrimoniais.
Implementação de Sistemas Informatizados
O Sistema Integrado de Administração Patrimonial (SIADS) é uma solução que possibilita aos órgãos da Administração Pública Federal um controle completo e efetivo de seus estoques de materiais, bens patrimoniais e serviços de transporte. O sistema permite o controle permanente de depreciação dos bens, viabiliza a realização de inventário eletrônico em plataforma mobile e amplia a automação do registro contábil.
A informatização facilita a realização de inventários, a geração de relatórios gerenciais e o controle de localização, estado de conservação, responsáveis pela guarda e histórico de movimentações. O uso de códigos de barras ou QR codes nos bens patrimoniais, combinado com aplicativos móveis, permite uma identificação rápida e precisa dos bens.
Procedimentos de Controle e Monitoramento
O controle patrimonial deve incluir verificações periódicas dos bens, atualização constante dos registros contábeis, e monitoramento sistemático das condições de conservação dos ativos. O acompanhamento contínuo permite a identificação precoce de problemas como avarias, obsolescência ou necessidade de manutenção.
É fundamental que o inventário seja realizado por comissão de servidores especialmente designada, conforme art. 96 da Lei 4.320/1964, com vistas à posterior consolidação e conciliação contábil. O inventário deve ser agrupado por grupo de materiais constantes do plano de contas único da Administração Pública.
Alienação e Desfazimento de Bens
Aspectos Legais da Alienação
A alienação de bens públicos deve observar rigorosamente a legislação aplicável, incluindo avaliação prévia, autorização legislativa quando necessária, e utilização da modalidade leilão conforme previsto na Lei 14.133/2021. A regra geral é que a alienação seja feita por licitação, existindo algumas exceções onde a licitação é dispensada.
Especificamente para bens imóveis, deve existir o interesse público devidamente justificado para realizar a alienação, sendo este um requisito fundamental para o procedimento. A lei impõe que a licitação ocorra na modalidade leilão, que existe justamente para a alienação de bens no setor público.
Destinação dos Recursos da Alienação
Um aspecto fundamental na gestão patrimonial é a observância da “regra de ouro” na alienação de bens públicos. Os recursos obtidos com a venda de bens patrimoniais não podem ser utilizados para pagamento de despesas correntes como pessoal, fornecedores ou impostos. Estes recursos devem ser obrigatoriamente reinvestidos na aquisição de novos bens patrimoniais.
Esta regra visa preservar o patrimônio público, garantindo que a alienação de bens não resulte em diminuição líquida do acervo patrimonial. Por exemplo, recursos obtidos com a venda de ambulâncias devem ser utilizados para aquisição de novas ambulâncias ou outros bens permanentes que contribuam para a prestação de serviços públicos.
Transparência e Controle Social
Exigências Legais de Transparência
A transparência na gestão patrimonial é uma exigência legal estabelecida pela Lei Complementar 131/2009 (Lei da Transparência) e pela Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). Estas normas estabelecem obrigações específicas para a divulgação de informações sobre o patrimônio público, incluindo não apenas informações sobre aquisições, mas também sobre baixas, transferências e estado de conservação dos bens.
A transparência patrimonial permite o controle social, dando à população acesso às informações sobre os bens públicos e a forma como estão sendo geridos. Assegura também a correta gestão dos bens públicos, garantindo que sejam usados de maneira eficiente e em conformidade com as necessidades da administração.
Papel dos Tribunais de Contas
Os tribunais de contas exercem papel fundamental na fiscalização da gestão patrimonial. Além de verificar a adequação dos procedimentos contábeis, estes órgãos avaliam a eficiência, eficácia e economicidade na gestão dos recursos públicos. Um controle patrimonial adequado evita problemas com os tribunais de contas e facilita o processo de prestação de contas.
O TCU identificou que a União possui cerca de R$ 1,34 trilhão em imóveis, mas este patrimônio é gerido de forma ineficiente. Entre os problemas identificados estão a dificuldade de gerir adequadamente cerca de 700 mil imóveis, gestão inadequada de imóveis disponibilizados a órgãos federais, falta de ocupação de aproximadamente 10 mil imóveis, e significativo custo de manutenção.
Desafios e Oportunidades Futuras
Modernização Tecnológica
A modernização da gestão patrimonial passa necessariamente pela implementação de sistemas informatizados que permitam um controle mais eficiente e confiável dos bens públicos. As tecnologias móveis oferecem novas possibilidades para o controle patrimonial, permitindo a realização de inventários eletrônicos através de dispositivos móveis.
A integração entre os sistemas de controle patrimonial e os sistemas contábeis é fundamental para garantir a consistência das informações e a automatização dos registros contábeis. Esta integração permite que as incorporações, baixas e depreciações sejam registradas automaticamente na contabilidade, reduzindo os riscos de erros e inconsistências.
Capacitação Profissional
A complexidade das normas aplicáveis à gestão patrimonial pública torna fundamental que os profissionais envolvidos mantenham-se atualizados quanto às mudanças normativas e melhores práticas. As principais dificuldades encontradas para a implementação adequada da gestão patrimonial estão relacionadas à capacidade técnica dos servidores encarregados da tarefa.
A capacitação deve abranger tanto os aspectos teóricos quanto práticos da gestão patrimonial, incluindo o domínio de sistemas informatizados de controle, procedimentos de inventário, critérios de avaliação e baixa de bens. Entre as vantagens da capacitação adequada podem-se elencar: transparência das demonstrações contábeis, melhoria no processo de prestações de contas, e agregação de confiabilidade aos serviços prestados à sociedade.
O Papel dos Profissionais Contábeis
Responsabilidades e Competências
O contador público tem papel central na implementação dos procedimentos contábeis patrimoniais, garantindo que os registros atendam às normas técnicas e legais aplicáveis. O campo de aplicação da Contabilidade Aplicada ao Setor Público abrange todas as entidades do setor público, demandando estudo, interpretação, identificação, mensuração, avaliação, registro, controle e evidenciação de fenômenos contábeis decorrentes de variações patrimoniais.
A função social da Contabilidade Aplicada ao Setor Público deve refletir, sistematicamente, o ciclo da administração pública para evidenciar informações necessárias à tomada de decisões, à prestação de contas e à instrumentalização do controle social. O objetivo é fornecer aos usuários informações sobre os resultados alcançados e os aspectos de natureza orçamentária, econômica, financeira e física do patrimônio.
Integração e Colaboração
A eficácia da gestão patrimonial depende fundamentalmente da colaboração entre diferentes setores: patrimônio, contabilidade, financeiro e as diversas unidades administrativas. Esta colaboração deve ser estruturada e sistemática, permitindo um controle mais efetivo dos bens, desde a aquisição até o eventual desfazimento.
Os subsistemas contábeis devem ser integrados entre si e a outros subsistemas de informações de modo a subsidiar a administração pública sobre o desempenho no cumprimento da missão, avaliação dos resultados obtidos, avaliação das metas estabelecidas pelo planejamento, avaliação dos riscos e contingências, e conhecimento da composição e movimentação patrimonial.
Considerações Finais: Construindo uma Cultura de Excelência
Mudança de Paradigma
A gestão adequada do patrimônio público exige uma mudança fundamental de paradigma, passando de uma visão meramente burocrática para uma abordagem estratégica e voltada para resultados. O patrimônio deve ser compreendido não apenas como um conjunto de bens a serem controlados, mas como recursos valiosos que devem ser otimizados para maximizar o benefício social.
Esta mudança requer o comprometimento de toda a estrutura administrativa, desde a alta gestão até os servidores operacionais. É fundamental que todos compreendam a importância do controle patrimonial e sua contribuição para a eficiência da gestão pública.
Visão Estratégica e Sustentável
A gestão patrimonial deve ser orientada por uma visão de longo prazo, considerando não apenas as necessidades imediatas, mas também as tendências futuras e os desafios emergentes. Isto inclui questões como sustentabilidade ambiental, inovação tecnológica, mudanças demográficas e evolução das demandas sociais.
O planejamento estratégico da gestão patrimonial deve considerar cenários futuros e desenvolver estratégias flexíveis que permitam adaptação a mudanças no ambiente interno e externo. Esta abordagem proativa é fundamental para garantir que o patrimônio público continue atendendo adequadamente às necessidades da população.
Compromisso com a Transparência
A transparência não é apenas uma exigência legal, mas um compromisso ético com a sociedade. A implementação de mecanismos efetivos de transparência fortalece a confiança da sociedade nas instituições públicas e contribui para o exercício do controle social. A divulgação adequada das informações patrimoniais, de forma compreensível e acessível, é fundamental para o fortalecimento da democracia e da cidadania.
A gestão do patrimônio público representa uma responsabilidade que transcende aspectos técnicos e legais, constituindo um compromisso fundamental com o interesse público e com as futuras gerações. Os profissionais que abraçam esta responsabilidade têm a oportunidade de contribuir significativamente para a construção de uma administração pública mais eficiente, transparente e responsável.
A implementação adequada dos procedimentos de gestão patrimonial, alinhada às normas técnicas e legais, combinada com o uso eficiente da tecnologia e o desenvolvimento contínuo das competências profissionais, representa o caminho para uma gestão patrimonial de excelência no setor público brasileiro. Este é um processo contínuo de aperfeiçoamento que requer dedicação, comprometimento e visão estratégica de todos os envolvidos na gestão do patrimônio público.