Nota de Empenho: Antes ou Depois do Contrato? Um Guia Completo para a Administração Pública

Nota de Empenho

Introdução

A questão sobre o momento adequado para emissão da nota de empenho em relação à assinatura do contrato administrativo representa uma das dúvidas mais recorrentes na gestão financeira pública brasileira 1. Esta temática assume especial relevância no contexto da contabilidade pública, onde a observância rigorosa dos procedimentos legais é fundamental para garantir a legalidade, eficiência e transparência na aplicação dos recursos públicos 2.

O empenho da despesa constitui o primeiro estágio da execução orçamentária e representa um ato administrativo de suma importância, pois cria para o Estado a obrigação de pagamento, conforme estabelecido no artigo 58 da Lei nº 4.320/64 34. A compreensão adequada deste processo é essencial para gestores públicos, contadores e todos os profissionais envolvidos na administração financeira do setor público.

Definição Normativa

De acordo com o artigo 58 da Lei nº 4.320/64, “o empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição”. Esta definição estabelece a natureza jurídica do empenho como um ato administrativo que vincula recursos orçamentários para uma finalidade específica.

O empenho pode ser compreendido como uma reserva orçamentária formalizada por autoridade competente, garantindo que determinado valor esteja disponível para o pagamento de uma despesa específica. Esta reserva assegura ao credor que os recursos necessários para o adimplemento da obrigação estão devidamente separados no orçamento público.

A Materialização através da Nota de Empenho

Conforme o artigo 61 da Lei nº 4.320/64, para cada empenho deve ser extraído um documento denominado “nota de empenho”, que indicará o nome do credor, a representação e a importância da despesa, bem como a dedução desta do saldo da dotação própria. A nota de empenho constitui, portanto, a materialização documental do ato de empenho.

A Regra Geral: Empenho Antes do Contrato

O Posicionamento Jurisprudencial Consolidado

A jurisprudência dos Tribunais de Contas é unânime ao estabelecer que a nota de empenho deve ser emitida após a homologação do resultado do processo licitatório e antes da assinatura do contrato. Esta orientação visa garantir que haja reserva orçamentária adequada para o cumprimento das obrigações contratuais.

O Tribunal de Contas da União (TCU) possui decisões consolidadas determinando “a observância das fases da despesa pública, de modo que o empenho seja prévio ou contemporâneo à contratação, consoante artigos 58 a 70 da Lei nº 4.320/1964” . Diversas decisões reforçam este entendimento, incluindo os Acórdãos nºs 423/2011, 406/2010, 1970/2010, 1.130/2011, 914/2011, 2.816/2011 e 887/2010.

Fundamentos Legais da Precedência

O artigo 60 da Lei nº 4.320/64 estabelece categoricamente que “é vedada a realização de despesa sem prévio empenho”. Esta disposição legal fundamenta a obrigatoriedade de emissão da nota de empenho antes da formalização contratual, garantindo que não haja comprometimento de recursos inexistentes.

A Constituição Federal, em seu artigo 167, inciso II, proíbe a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais 9. Esta norma constitucional reforça a necessidade de prévia reserva orçamentária através do empenho.

Irregularidades do Empenho Posterior

Caracterização da Gestão Irregular

A emissão de nota de empenho após a celebração do contrato constitui irregularidade na execução orçamentária, conforme entendimento consolidado dos Tribunais de Contas. Esta prática representa uma gestão orçamentária e financeira irregular, violando os princípios da legalidade e eficiência que governam a administração pública.

O Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo tem jurisprudência firmada no sentido de que “despesas sem a prévia emissão de empenho constituem despesas irregulares, que ofendem a tríade do gasto público (empenho, liquidação e pagamento)”. A realização de empenhos posteriores para regularizar contabilmente despesas já executadas representa clara ofensa às normas de Direito Financeiro.

Consequências e Responsabilizações

A prática de empenho posterior pode resultar na declaração de irregularidade da despesa e na responsabilização do ordenador de despesas. Os Tribunais de Contas consideram esta conduta como erro grosseiro, pois faz parte do ciclo normal da despesa pública a etapa de empenho antes da execução.

A falta de controle dos gastos públicos decorrente desta prática irregular pode levar à aplicação de sanções aos gestores responsáveis, incluindo multas e outras penalidades previstas na legislação de controle externo.

Exceções e Situações Especiais

Substituição do Contrato por Nota de Empenho

A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) prevê situações específicas em que a nota de empenho pode substituir o termo de contrato. O artigo 95 desta lei permite tal substituição em casos de dispensa de licitação em razão do valor e compras com entrega imediata que não resultem em obrigações futuras.

Em algumas circunstâncias específicas, especialmente em compras com entrega imediata, a nota de empenho pode efetivamente substituir o termo de contrato, conforme decisões recentes do TCU. Esta flexibilidade permite uma operacionalização mais eficiente de procedimentos contratuais em cenários particulares.

Contratações por Inexigibilidade

Nas contratações por inexigibilidade de licitação, como capacitações e treinamentos, é juridicamente possível a substituição do termo de contrato por nota de empenho, desde que o valor da contratação fique abaixo do limite para contratação direta por dispensa. Esta interpretação baseia-se na análise sistemática e finalística da legislação vigente.

Os Estágios da Despesa Pública

O Processo Completo de Execução

A execução da despesa orçamentária pública transcorre em três estágios obrigatórios: empenho, liquidação e pagamento. O empenho representa o primeiro estágio e é registrado no momento da contratação do serviço, aquisição do material ou bem, obra e amortização da dívida.

A liquidação constitui o segundo estágio e consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Esta etapa é processada normalmente após o recebimento do objeto empenhado.

O pagamento representa o terceiro e último estágio, sendo processado mediante a emissão de ordem bancária e documentos relativos às retenções cabíveis. Este estágio materializa o adimplemento da obrigação reconhecida e assumida pelo Estado.

Integração dos Estágios com o Processo Contratual

A nota de empenho deve estar indicada no instrumento contratual, servindo como garantia para a parte contratada de que o pagamento será realizado conforme acordado. Esta integração entre os instrumentos assegura maior segurança jurídica às relações contratuais da administração pública.

Para fins de liquidação da despesa, são necessários o contrato, a nota de empenho e os comprovantes da entrega de material ou prestação efetiva do serviço. Esta tríade documental garante o controle adequado sobre a execução das despesas públicas.

Aspectos Práticos e Operacionais

Fluxo Procedimental Recomendado

O fluxo adequado para a contratação pública deve observar a seguinte sequência: conclusão do processo licitatório, homologação do resultado, emissão da nota de empenho, assinatura do contrato e posterior execução. Esta ordem procedimental garante o cumprimento das exigências legais e a adequada gestão orçamentária.

Antes da emissão da nota de empenho, é essencial verificar possíveis impedimentos legais e as condições de habilitação do futuro contratado. Este procedimento preventivo evita problemas posteriores na execução contratual.

Controles e Verificações Necessárias

O ordenador de despesas deve verificar se a despesa cumpre os programas de trabalho previstos no Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). Esta verificação demonstra que a responsabilidade manteve-se limitada ao cumprimento de despesa previamente aprovada.

É fundamental verificar as restrições financeiras à emissão de empenho em relação ao limite dos créditos concedidos, conforme estabelece o artigo 59 da Lei nº 4.320/64. O empenho não pode exceder o limite dos créditos orçamentários disponíveis.

Modernização e Boas Práticas

Tecnologia na Gestão Orçamentária

A modernização dos sistemas de gestão financeira pública tem promovido maior eficiência e transparência na utilização dos recursos públicos. A implementação de sistemas integrados permite melhor controle sobre o fluxo de empenhos e reduz significativamente os riscos de irregularidades.

Sistemas modernos de controle orçamentário proporcionam automação dos processos, integração de dados e geração de relatórios em tempo real. Estas ferramentas tecnológicas facilitam o cumprimento das exigências legais e aprimoram a qualidade da gestão financeira.

Tendências na Contabilidade Pública

As novas tendências da contabilidade aplicada ao setor público incluem a convergência aos padrões internacionais e a modernização dos procedimentos contábeis. Essas mudanças visam melhorar a qualidade da informação contábil e aumentar a transparência na gestão pública.

A transformação digital na gestão financeira pública traz benefícios mensuráveis para a administração, incluindo redução de custos, aumento da eficiência e melhoria dos controles internos. A adoção de tecnologias avançadas representa um passo fundamental para a modernização da gestão pública.

Conclusão

A questão sobre o momento adequado para emissão da nota de empenho em relação ao contrato administrativo possui resposta clara e consolidada na legislação e jurisprudência brasileiras. A regra geral é inequívoca: a nota de empenho deve ser emitida após a homologação do processo licitatório e antes da assinatura do contrato.

Esta sequência procedimental não representa mera formalidade burocrática, mas sim uma garantia fundamental para a adequada gestão dos recursos públicos. O empenho prévio assegura que existam recursos orçamentários suficientes para o cumprimento das obrigações contratuais, evitando comprometimentos financeiros inadequados.

A observância rigorosa desta ordem cronológica contribui para a transparência, eficiência e legalidade na administração pública, princípios constitucionais que devem nortear toda a atuação dos gestores públicos. A modernização tecnológica dos sistemas de controle orçamentário tem facilitado o cumprimento dessas exigências, proporcionando maior segurança e eficiência aos processos administrativos.

Para os profissionais da contabilidade pública, compreender adequadamente estes procedimentos é essencial para o exercício competente de suas funções e para contribuir com uma gestão pública mais eficiente e transparente. O respeito às normas de direito financeiro representa não apenas uma obrigação legal, mas também um compromisso ético com a sociedade e com a adequada aplicação dos recursos públicos.

Rolar para cima